O patrimônio cultural brasileiro, tombado, registrado ou não, pode ser definido como um conjunto de bens que herdamos de antepassados, e que, na sua qualidade de herança, são definidoras daquilo que somos da nossa história e da nossa identidade. Para mim, falar da história do Forte São Marcelo enquanto patrimônio é importante evocar esta imagem de herança.
Todos nós sabemos das histórias de famílias muito pobres que ao darem presentes ao seus filhos, imediatamente os põe fora do alcance, plastificado-os, distante das mãos mas sempre onipresente à visão. Era assim que eu me sentia, do Elevador Lacerda, da Ladeira da Montanha da Ladeira da Contorno, da Praça Municipal, Lá estava ele onipresente e eu olhando e desejando que chegasse o dia em que finalmente poderia estar lá, tocando com os pés algo que há muito tempo já “comia com os olhos”.
A minha história com o Forte São Marcelo, acredito, é a história de muitos baianos enamorados. Aprendemos a amá-lo embora inalcançável, impossível de ser tocado, experimentado, apropriado por aqueles que, por direito, eram seus donos. Assim como os presentes plastificados, era aqui também a pobreza a causadora de tamanho mal. Pobreza de todos os tipos. Durante anos sempre soube (porque era estudante de Museologia), ir ao forte era privilégios de poucos, de pessoas especiais que alcançavam uma permissão concedida apenas aos eleitos.
A maioria delas, apesar de serem tão especiais pareciam não compreender a dimensão simbólica da abertura do Forte São Marcelo à população baiana, o forte passou anos esquecido pelos seus cuidadores, abandonado à aventureiros, enquanto um pequeno grupo de pessoas – estas sim, especiais – travou uma batalha contínua, anos a fio para tornar o meu sonho possível e abrir o Forte a população baiana.
Hoje o Forte é o palco de uma peregrinação comovente: grande parte dos seus visitantes é formada por moradores locais, dos bairros de periferia, movidos por uma vontade curiosa de tornar real um desejo que passaram a vida inteira acalentando, naquele mesmo percurso, enamoradas por uma herança inalcançável. Hoje, nas vezes em que visito o Forte me reconheço nas famílias, avôs e netos, pais e filhos, e principalmente nos filhos da Bahia que ao levarem suas vidas cotidianas em outros Estados ou países podem chegar à Bahia e experimentar um pouco mais daquilo que tanto amam.
escrito por Rita Maia (Professora da Universidade Federal da Bahia )
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