quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A Queda do Forte São Marcelo



A Associação Brasileira dos Amigos das Fortificações Militares e Sítios Históricos (Abraf), entidade gestora do Forte São Marcelo, recebeu da Justiça Federal, MANDADO DE INTIMAÇÃO, impetrado pelo Iphan, para desocupar o Forte São Marcelo. Tal fato pode levar ao encerramento das atividades desenvolvidas pela Abraf e ao fechamento do MUSEU DO FORTE SÃO MARCELO, contrariando o que dispõe a Lei 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que institui o Estatuto de Museus e dá outras providências.

O que causa estranheza é o fato da justiça não haver dado oportunidade de defesa à Abraf, suspendendo no dia 11.02 a audiência marcada para o dia 16 Fev 2011 e concedendo liminar para despejo imediato. O Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), ao qual está vinculado o Museu do Forte São Marcelo, parte interessada no processo, sequer foi citado, o que vai obrigar a Abraf a questionar na justiça os seus direitos e exigir que se convoque o Ibram para ser ouvido.

Um outro fato que estarrece a Abraf é que ao encerrar-se o Termo de Cessão de Uso, foi protocolado no Iphan- Ba, na data de 13 de julho de 2010, sob o nr 01502.001847 2010 - 01, último dia de vigência do referido Termo, oficio em que deixa claro e de forma explícita, convite para receber o Forte, assim que houvesse disponibilidade na agenda do Superintendente Regional e, em Nov 2010, o Iphan haver entrado com uma ação de despejo no Justiça Federal. Aguardamos por sete meses a presença do Superintendente ou de prepostos do Iphan, o que não aconteceu. A Abraf não podia abandonar o Forte São Marcelo, um acervo notável de armamentos, equipamentos e outros materiais, incorporados ao longo da vigência do Termo de Cessão de Uso podiam ser subtraídos e depois ser responsabilizada por danos que pudessem acontecer ao monumento. Esperou por sete meses e a resposta veio na forma de despejo. A abraf estranha, não aceita tal postura e julga improcedente a ação ora em curso.

Ao longo desses 10 anos e sete meses a Abraf procurou implementar um projeto diferenciado de revitalização para o Forte São Marcelo. Os primeiros cinco anos foram gastos na busca de recursos. Empresas pequenas, médias e grandes, nacionais e estrangeiras, inclusive outros governos, foram contactados, sem que se obtivesse sucesso. Muitas viagens foram feitas para São Paulo, Rio e Brasília no período 2000 a 2005, quando se conseguiu sensibilizar o atual prefeito, recém empossado, para dar o start inicial no processo de revitalização do Forte São Marcelo.

Em novembro de 2004 a Abraf decidiu abrir o Forte à visitação nas condições em que se encontrava antes da reforma promovida pela Prefeitura Municipal do Salvador, acreditando que era a história do monumento que tinha valor. E era. No entanto, não tinha cacife para bancar uma campanha de divulgação e só teve fôlego para continuar na ação por seis meses. Em maio de 2005 foi suspensa a tentativa de abertura do Forte.

Logo em seguida, em setembro desse mesmo ano a Abraf conseguiu o apoio da Prefeitura e tudo começou a acontecer. A inauguração e início da abertura à visitação pública aconteceu em noite de gala no dia 28 mar 2006. Pela obra de restaurro a abraf recebeu da Quatro Rodas o prêmio de melhor obra de restauro de 2007. Hoje, podemos contabilizar mais de 400 mil visitantes, desses, mais de 100 mil foram de estudantes.

Junto com a Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Lazer da Prefeitura Municipal do Salvador a Abraf firmou contrato para receber alunos da rede de ensino do município e fazer um trabalho diferenciado, indo buscá-los na Escola, levá-los a bordo da Caravela Príncipe Regente, a fazer uma viagem pela Baía de Todos os Santos com os monitores vestidos de época, falando sobre os monumentos e personagens e evolução da cidade do Salvador. Oferecer lanche para todos eles, encenar peça teatral que significasse o resgate de patrimônio imaterial. Ao final do teatro, todos os presentes cantavam o hino nacional e a Abraf providenciava levá-los de volta à sua escola de origem. Este projeto foi chamado ARTE FORTE, aconteceu nos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009 e tinha como foco a educação patrimonial. Mais de 20 mil alunos da rede pública participaram do mesmo e, pelos depoimentos, pelo brilho nos olhos, jamais vão esquecer aquela vivência.

A abraf nunca teve recursos suficientes para tocar todos os projetos que tinha na gaveta, no entanto, adquiriu ao longo da caminhada, muita credibilidade e, com isso, firmou parcerias muito positivas, como a da incorporação da Caravela Príncipe Regente, às atividades do Forte São Marcelo e do seu Museu, sendo o grande atrativo do Tour náutico Baía Histórica que acontece todos os dias, às 15:30 horas, permitindo olhar a cidade do Salvador sob um novo ângulo. A abraf acredita que todos os soteropolitanos já está acostumado a vê-la passar, todas as tardes pelo porto da barra e farol. Ela tem estado presente em eventos como a procissão de Bom Jesus dos Navegantes e da Festa de Yemanjá. Neste ano de 2011, o Museu do Forte São Marcelo se fez presente com duas caravelas. Faz-se interessante notar que as embarcações mais modernas fazem questão de reverenciar o charme e o simbolismo de, no passado, haver ousado e conseguido atravessar os mares do mundo português.

A abraf criou o Núcleo de Interpretação do Patrimônio para o resgate do patrimônio imaterial. Tem como base o teatro e a dança para contar a história. É composto por um elenco de atores, produtores, pesquisadores, diretores, museólogos, figurinistas, que se debruçam sobre os fatos históricos e os resgatam como referências que são para a formação dos nossos jovens. O último deles foi a Coroação de D. Pedro I, evento que aconteceu na Catedral Metropolitana no dia 4 de setembro de 2010, com a participação da Orquestra Sinfônica e do Coro Madrigal da UFBA e da Banda Militar da 6ª Região Militar, tendo impactado a todos que assistiram, pela pompa e originalidade do evento. Video e fotos comprovam a qualidade da apresentação e o cuidado no resgate histórico.

Em 2010, a abraf criou o Museu do Forte São Marcelo, hoje registrado no Sistema Brasileiro de Museus (SBM), nos termos do Decreto nr 5.264, de 5 de novembro de 2004, cuja documentação encontra-se nos seus arquivos. O Museu do Forte São Marcelo é único, é um museu que resgata o patrimônio imaterial, é um museu que tem pernas, é um museu vivo, que desfila em datas históricas, qu participa de eventos sociais, culturais e de turismo. É um museu que já extrapolou os seus próprios limites, sendo referência para outros Estados no aproveitamento e uso desse patrimônio ligado à memória da defesa nacional. O órgão ao qual se subordina o Museu do Forte São Marcelo é o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), que faz parte da estrutura do Ministério da Cultura, assim como o IPHAN.

Depois de tudo isso, a abraf solicitou a Renovação do Termo de Cessão de Uso com bastante antecedência, através do Of 048, de 15 abr 2008, cuja resposta veio 1 ano e seis meses depois em forma de ultimato, para que a abraf deixasse o Forte dentro de 30 dias. A abraf reagiu a deixar o Forte antes do término do prazo de vigência (13 jul 2010). Ao término do Termo de Cessão a abraf convidou o Iphan para receber o monumento, o que não aconteceu. A abraf aguardou por sete meses, permanecendo na ação para evitar prejuízos para o monumento e instalações. Passado esse tempo, tomou conhecimento da ação de despejo promovida pelo Iphan com entrada na Justiça Federal no mês de novembro de 2010 e trâmite surpreendente para os padrões normais da nossa justiça. Caso venha a acontecer, pode o Forte São Marcelo vir a fechar as suas portas, encerrar as suas atividades e, consequentemente, fechar o seu Museu, o que significará uma perda inominável para o turismo cultural, educativo, náutico, histórico, pedagógico e cívico, em vista de ser único no Brasil no resgate do patrimônio imaterial, tão pouco exercitado entre nós. O Forte São Marcelo pode voltar a ser o que foi no passado “um antro de prostituição e drogas”. A Abraf aceitou o desafio de buscar os meios necessários para a revitalização do Forte São Marcelo por entender a sua importância como referência histórica para os nossos jovens, tão carentes de valores.

A abraf manifesta a sua indignação frente a tudo que está acontecendo, com real possibilidade de se transformar em realidade e trazer prejuízo para a cidade do Salvador, que não merece que tal aconteça. Entende que os encontros e desencontros na cumprimento do Termo do Termo de Cessão de Uso foram decorrentes do fazer, do querer realizar e mesmo do entusiasmo que sempre moveu ações e atitudes do seu Presidente. A abraf experimenta a sensação do dever cumprido, reconhecendo que se mais não fez o foi pelas dificuldades inerentes ao grande desafio assumido.

Nesse período, foram preparadas várias equipes de monitores, todos universitários, que se revezaram ao longo dos últimos cinco anos. Uma vivência rica, um crescimento individual notável, alguns tímidos, se soltaram, outros aperfeiçoaram seus idiomas. Inglês, Francês, Espanhol, Italiano e Alemão foram as línguas mais exercitadas.

A abraf estimulou a instalação de um restaurante no Forte o que veio a acontecer no final do anos de 2006, gerando emprego e renda para muitos. A atividade turística é demandante de mão-de-obra e foi assim que o forte já teve mais de 40 pessoas trabalhando no seu interior. Se for considerado os empregos indiretos, estes foram em maior número. Hoje tudo está minguando.

A abraf não concluiu a sua obra, o seu grande projeto para a Copa do Mundo de 2014, visa transformar o Forte São Marcelo no point cultural mais visitado da cidade, pelos turistas e pelos soteropolitanos. A base do projeto é a cultura popular, que, juntamente o artesanato, será exposta nos vários espaços do Forte: dança, música, cordel, repente, poesia, entre outros. Associado a tudo isso, passeios diurnos e noturnos a bordo das Caravelas “Príncipe Regente” e “Só Alegria”, podendo, a depender dos apoios que vier a receber, dispor de uma “Nau” ou mesmo de um “Galeão” na sua frota...

Assim como “a queda da Bastilha na França do século XVIII” representou um ponto de inflexão para a história e uma nova era para os franceses, onde ideais de liberdade e fraternidade foram bandeiras levantadas; a abraf espera, deseja e quer, caso concretize-se “a queda do Forte São Marcelo”, que possa representar uma revolução sobre o entendimento do valor do patrimônio histórico que tem a cidade do Salvador e a Bahia, que nunca mais possamos ouvir que tal ou qual monumento desabou por incúria e inépcia dos nossos, ditos, administradores públicos.

Salvador, 15 de Fevereiro de 2011.

Anésio Ferreira Leite

Diretor Presidente da Abraf

+55 (71) 9122-8776

+55 (71) 8882-8776

Forte São Marcelo

Av. da França s/n, Comércio

Salvador-Ba.

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